A FESTA DE CASAMENTO
O casamento tradicional pomerano ainda acontece nos municípios do Espírito Santo, e guarda uma relação de continuidade com o passado. Os proclamas no culto religioso ocorrem cerca de um mês antes da oficialização da união matrimonial, período em que tem início os preparativos para a festa: construção do forno e galpões. Tudo é feito coletivamente por amigos, vizinhos, parentes, cozinheiras e por copeiros e copeiras.
A época ideal para casamentos é o mês de maio, o mês das noivas (hochtijdsmånat). Evita-se casar na quaresma (Fasten), no mês de agosto (august), no período das doze noites (twölwte) e em ano bissexto (schaltjår). Quando são realizados nesse período, os casamentos acontecem em janeiro ou, no mais tardar, início de fevereiro.
A festa dura três dias e é realizada na casa dos pais da noiva. O convite é feito pelo convidador (hochtijdsbirer), que é o irmão caçula da noiva. Ele parte a cavalo, de motocicleta ou de bicicleta, levando uma garrafa de vidro pequena contendo cachaça (snapsflasch) e enfeitada no gargalo com um pingente de fitas coloridas de cetim e ramos de tuia ou de alecrim. Ao aproximar-se da casa, anuncia-se com três gritos característicos. O convidador entra na sala de estar sem saudar as pessoas e, em pé ou andando em círculos, profere a sua fala-convite para o casamento, em forma de versos.
Após a fala, o proprietário ou outro membro da casa toma um gole de bebida, selando deste modo o compromisso de comparecimento. Antes de partir, o rapaz recebe da casa um lenço colorido, que é preso às suas costas. Estes lenços que ganha das famílias visitadas o hochtijdsbirer usa no dia do casamento. Se o convidador encontrar a casa fechada, ele solta gritos em falsete, anunciando, assim, a sua chegada à família que se encontra na lavoura. Antigamente, o convidador de casamento conseguia chamar poucas famílias em um dia, pois os convidados moravam muito afastados uns dos outros.
As festividades têm início na quinta-feira, véspera do casamento. São feitos os pães, biscoitos e variedades de linguiça. As cozinheiras (koiksche) preparam também a comida para o dia seguinte. À noite é realizado o ritual do Quebra-Louça (Pulteråwend), presenciado por parentes, vizinhos e os colaboradores (copeiros/as, cozinheiras, padeiros). A carne de galinha é um ingrediente indispensável na festa de casamento, pois ingeri-la significa que todos os presentes interiorizam a percepção da ave: denunciar os elementos estranhos que porventura quisessem se aproximar do jovem casal.
No dia seguinte, começa o casamento propriamente dito. Na sexta-feira, por volta das 9h, os noivos e convidados dirigem-se ao cartório, onde é realizado o casamento civil (thoupsrijwen) e depois seguem para a igreja, onde acontece a cerimônia religiosa do casamento (truug). Este trajeto é feito num caminhão enfeitado de ramos e flores. Todos participam de forma alegre e ruidosa, não faltando fogos de artifício e música de baile.
Depois, seguem para a casa dos pais da noiva, onde é servida uma farta refeição. No início da noite, há o jantar e ao fim deste segue-se a dança dos noivos, que é iniciada por eles próprios, seguido dos pais, testemunhas e demais convidados. No final da dança, os homens dão uma quantia em dinheiro, como gratificação. Por volta da meia-noite tem início a dança da grinalda (kransafdans) e o conjunto de danças rituais encerra-se com a dança da vassoura (haudafdans).
No último dia de festa, há a participação de um número expressivo de convidados que tem por finalidade encontrar-se para visitar os recém-casados, comer e beber o que sobrou do dia anterior. Em alguns casos, há baile à noite. O jovem casal irá residir na terra dos pais do noivo.
QUEBRA-LOUÇA
No ritual do Quebra-Louça, faz-se muito barulho e algazarra. Quebrando–se louças de porcelana, afugentam–se os maus olhares, que eventualmente possam prejudicar a vida matrimonial. O Quebra-Louça é conduzido por uma mulher, geralmente idosa, parente de um dos nubentes. Em meio à sua fala cerimonial, que tem por finalidade trazer felicidades para o jovem casal, a mulher quebra as vasilhas de porcelana que traz no bolso do avental ou na mão. Em cima dos cacos tem início o baile e, enquanto todos dançam, os noivos tentam varrer os cacos para fora do salão, ao mesmo tempo em que os copeiros procuram varrê-los ou chutá-los para o interior do recinto. Os noivos juntam os cacos em conjunto, simbolizando que as decisões na família serão tomadas por ambos. Os cacos são guardados para trazer sorte. Para o ritual do Quebra-Louça, costuma-se fazer linguiça de bucho de boi e, para a festa de casamento, na sexta-feira, faz-se linguiça de boi (mista). A comida servida na noite do Quebra-Louça é a sopa de miúdos de galinha e outros ingredientes (hinerpouten).
VESTIDO PRETO SIMBOLIZA MORTE SOCIAL
Santa Maria de Jetibá. Início do século 20
Antigamente, o trajeto dos noivos para a igreja era feito a cavalo que era enfeitado com ramos de ciprestes e flores de papel colorido. A noiva era arrumada por sua mãe e trajava vestido preto de cetim com uma faixa, igualmente de cetim, de cor verde na altura da cintura, e uma coroa verde, tecida de murta, alecrim ou de cipreste, adornada com flores de laranjeira. No Espírito Santo, este costume perdurou até a década de 1940, quando as noivas passaram a usar vestido branco. Há várias tentativas de explicar o uso do preto pela noiva. Vejamos algumas:
1) “Quando uma moça se casava, sua primeira noite não era com o marido, mas com o senhor feudal. Elas começavam a vestir-se de preto em sinal de protesto. A tradição de casar de preto nasceu como protesto, no tempo em que a noite de núpcias era com o senhor feudal. O vestido preto recorda o sofrimento da noiva quando ela era violentada pelo senhor feudal”.
2) “A noiva trajava vestido preto por causa do clima frio da Pomerânia”.
3) “Aqui no Espírito Santo o vestido preto era pura falta de recursos”.
No entanto, o autor considera a tese baseada em estudos antropológicos a que melhor dá conta de explicar este costume, pois as práticas culturais de um povo não podem ser reduzidas à dimensão socioeconômica de classes sociais (senhor feudal versus servo camponês) ou a determinismos geográficos, como o clima. Devemos, pois, procurar as explicações para o uso do vestido preto tendo por base a estrutura social das comunidades pomeranas. Assim, é muito importante observarmos a regra de residência pós-nupcial vigente entre os pomeranos, e as consequências deste deslocamento para a jovem noiva.
Os rituais nupciais marcam o momento da separação da noiva de sua família, pois diante da regra de residência patrilocal, a mulher se desloca da sua rede de parentesco, isto é, após o casamento, a mulher desloca-se da casa paterna e vai morar na terra do marido. As primeiras semanas do casamento são chamadas de “as semanas de ouro” do jovem casal (stuuteweeke). O termo composto evoca um alimento muito apreciado e desejado: o pão de trigo de padaria. Designa as primeiras semanas seguintes ao do casamento, período durante o qual o casal está se adequando à nova vida.
Trata-se dos primeiros tempos do casamento, quando o relacionamento corre bem entre ambos, período também conhecido como “semanas dos beijos” (pussweeke). Depois, conforme muitos opinam, têm início as “semanas do porrete” (knüpelweeke). As "semanas do porrete” são o período posterior ao primeiro mês de casamento, caracterizado por pequenas desavenças entre os cônjuges. São os tempos dos desentendimentos entre o casal, quando a disputa pela autoridade e a gerência de negócios da propriedade rural se tornam acirradas. Desse modo, o vestido preto simboliza morte social, separação da noiva de sua família, pois quem se desloca de sua rede de parentesco é a mulher.
Prof. Dr. Ismael Tressmann
O autor é Mestre e Doutor em Linguística (Etnolinguística) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor da Faculdade da Região Serrana (Farese) e assessor do Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo).